MENSAJE EN BOTELLA PARA UN MARINERO





Senta-te ao meu lado. Ouves? Navego, com a voz,
as tuas veias. Percorro o teu corpo por dentro:
a alma, as ravinas dos sentidos. Chego-te ao coração.
Sempre te conheci aí. Há quantos anos?
Acabavas de aparecer. Eu não tinha uma história
para contar, nem sequer uma conta no banco
– vivia em absoluta conformidade com os frutos.
O meu tesouro era o mar, as gaivotas crepusculares
sobrevoando as areias inóspitas da minha juventude.
África não era ainda uma fotografia na estante
sob o rugoso pó da memória,
nem os meus pés de caminhante este incontrolável afluente
de águas. Quando apareceste, chovia no horizonte
das minhas palavras, pequenas e indefesas raízes
de palmeira que escondia entre os lábios
como asas doentes.
Havia uma revolução nas metáforas e nas ruas,
um presídio no diálogo político onde tombavam
de espanto as mais vulneráveis moscas da retórica.
Maquinações inflamadas transformavam, com o deleite
impune dos seus gatilhos, a rotina em caixões
sob a venerável benção internacional,
enquanto a ansiedade dos meus dedos se perfilava
ante a cor transcendente dos teus cabelos revoltos.
O peso dessa chama, isto é, a transformação
e o incêndio do amor agitavam-se na penumbra
e na fragilidade das nossas vidas.
A incerteza era uma silhueta nas ravinas.
Ficastes sentada no muro caiado
do tempo a desfiar as últimas sombras,
enquanto eu, sob o guarda-chuva de cintilações
destes anos em que o corpo se encosta ao outono,
recolho as últimas sílabas.
Maduras como maçãs,
caem desamparadas sobre o inalterável mármore
do poema.

Eduardo Bettencourt Pinto




Fotografía: Stanko Abadzic