CUERPO HABITADO




Corpo num horizonte de água,
corpo aberto à lenta embriaguez dos dedos,
corpo defendido pelo fulgor das maças,
rendido de colina em colina,
corpo amorosamente humedecido
pelo sol dócil da língua.
Corpo com gosto a erva rasa de secreto de jardim,
corpo onde entro em casa,
corpo onde me deito para sugar o silêncio,
ouvir o rumor das espigas,
respirar a doçura escurísima das silvas.
Corpo de mil bocas,
e todas fulvas de alegría,
todas para sorver,
todas para morder até que um grito
irrompa das entranhas,
e suba às torres e suplique um punhal.
Corpo para entregar às lágrimas.
Corpo para morrer.
Corpo para beber até ao fim-
meu oceano breve e branco,
minha secreta embarcação,
meu vento favorável,
minha vária, sempre incerta
navegação.

Eugénio de Andrade


Fotografía:Edward Weston

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