BOCA A BOCA


como llueve por tu boca
caudalosa de silencios
una humedad que crece indómita
al borde de la nada
donde podrían sonar palabras
que crecieran de lo oscuro
para ecoar entre la carne
resonando en caricias
lentamente supuradas
donde podrían sonar palabras...
tú callas
sosteniendo
tiernamente
lábio a lábio
por un beso
luz
Fotografía: Jan Saudek
SANGUE NEGRO


Vou levar o teu sangue negro comigo,
diluido no meu corpo confundido,
sem identidade nem cor.
Sangue que debe saber a terra
porque fecunda vida dentro de mim.
Beijo vermelho
África funda
Mestiçagem
Fotografía: Albino Mahumana
AUSENCIA



Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto. No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida e eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz. Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado. Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite, porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa, porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço e eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos, mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir e todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
Vinícius de Moraes
Fotografía: Sofia Quintas
MISSAVA



A terra abre calhada sua carne
a tudo o que vem do céu,
e sente nas entranhas desaguadas
o palpitar da semente mais pura.
Com o paciente desejo de ver-la
romper-se e crescer
em sangue desfiada.
Funda
na escuridão
do ventre húmido,
cópula vermelha...
Fotografía: Edward Weston
ARMONÍA

Oye cómo se aman los tigres
y se llena la selva con sus hondos jadeos
y se rompe la noche con sus fieros relámpagos.
Mira cómo giran los astros en la eterna
danza de la armonía y su silencio
se puebla de susurros vegetales.
Huele la espesa miel que destilan los árboles,
la leche oscura que sus hojas exudan.
El universo entero se trenza y destrenza
en infinitas cópulas secretas.
Sabias geometrías entrelazan las formas
de dulces caracoles y de ingratas serpientes.
En el mar hay un canto de sirenas.
Toca mi piel, temblorosa de ti y expuesta a las espinas,
antes que el ritmo de mi sangre calle,
antes de que regrese al agua y a la tierra.

Piedad Bonnett
Fotografía: Tina Modotti por Edward Weston
ÍNDICO

Agora que o mar muda sua cor
e o vento despentea a sua superfície
em miles de rebentos cristalinos,
as ondas morrem sem pausa nesta praia deserta,
nua como o fim do día,
como as últimas horas da tarde.
Onde a respiração se faz mais sentida
e se procura qualquer coisa que está longe
e que se sente funda,
à deriva em nós,
alguma coisa que canta
distante
e sabe também
a-mar.
Fotografía: Bill Brandt
ÁFRICA ACORDA EM MIM

Aquí uma segunda.
No trabalho.
Na cidade quente em verão.
Com as ruas a florir.
Acácias desbordadas de novos brotes,
luz de pétalas alaranjadas.
Com a respiração do mar,
soando perto da janela.
Cheira a viagem por fazer,
e lábios por amar.
Maputo se entrelaça a mim.
Doce despedida,
sonoridade da fala mansa
da terra.
Um corpo nu
brilhando na escuridão
que quer amanhecer
gritando
sou
África.
Fotografía: Ricardo Rangel